terça-feira, 11 de junho de 2013

Governo democrático popular repete os militares: “O índio não pode deter o desenvolvimento”


Diante dos acontecimentos das últimas semanas envolvendo os povos indígenas, o sociólogo Ivo Lesbaupin levanta uma inquietante questão: "Qual a diferença entre a política indigenista do atual governo e aquela da ditadura de 1964?".

O professor da UFRJ e assessor dos movimentos sociais lembra que os militares nos anos 1970 imbuídos de uma concepção desenvolvimentista – Brasil Grande – passaram por cima dos povos indígenas que ousaram resistir. “O índio não pode deter o desenvolvimento”, dizia em 1971 o general do exército Bandeira de Mello, na época presidente da FUNAI.

A confirmação da fala do general está vindo agora à tona com o caso do extermínio de dois mil índios waimiri-atroari e de fatos relatados no Relatório Figueiredo. Ambos os casos são amostras das atrocidades cometidas pelos militares no período da ditadura contra os índios.

Passaram-se 50 anos do início da ditadura militar, porém, a concepção desenvolvimentista que veem os índios como um estorvo, um empecilho e um obstáculo permanece intacta. Como afirma Roberto Liebgott do Cimi-RS em entrevista exclusiva à revista IHU On-Line desta semana, “os conceitos de entraves e obstáculos foram amplamente utilizados no período da ditadura militar pelos governos autoritários, quando se pretendia abrir estradas ou construir barragens em terras que habitavam comunidades e povos indígenas. O argumento dos ditadores, era de que os interesses da nação não poderiam ser atrapalhados pelos índios, por isso eles precisavam ser removidos".

"Fazendo um paralelo, diz Liebgott, com os discursos recentes de autoridades públicas, especialmente da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, constata-se que a concepção que se tem dos povos indígenas em nosso país (em um governo 'democrático e popular') é o mesmo dos governos da ditadura militar. Disse a nobre ministra: ‘Não podemos negar que há grupos que usam os nomes dos índios e são apegados a crenças irrealistas, que levam a contestar e tentar impedir obras essenciais ao desenvolvimento do país, como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte. O governo não pode concordar com propostas irrealistas que ameaçam ferir a nossa soberania e comprometer o nosso desenvolvimento’”.

O dirigente do Cimi lembra que “não raras vezes o ex-presidente Lula, em discursos inflamados pela defesa das grandes obras, disse que os direitos dos índios, quilombolas e ambientais eram penduricalhos. Essa é a concepção que o governo brasileiro tem dos povos indígenas”.

Antes o governo ditatorial, os militares, os generais, majores e coronéis das Forças Armadas comoSebastião Curió que não titubeavam em afastar o “obstáculo”- os povos indígenas – com o uso damanu militari. Hoje, o PT, o PCdoB, o PMDB e seus aliados. Antes, os generais Costa e Silva,Médici, Geisel, o uso da Lei de Segurança Nacional, as forças políticas em torno da Arena – a direita. Hoje, Dilma Rousseff, o PT, ministros de Estado progressistas – a esquerda.

A afirmação do general do exército em 1970 de que “o índio não pode deter o desenvolvimento” é hoje reafirmada pelas lideranças de um governo que se autodenomina democrático-popular, como destaca Roberto Liebgott. Ainda mais espantoso, entre os porta-vozes que insinuam que os índios são um “obstáculo” muitos são de lideranças no interior do PT que se posicionam à esquerda no debate interno do Partido, como o ministro da justiça José Eduardo Cardozo e o governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro ou ainda de ministros como Gilberto Carvalho e Gleisi Hoffmann, o primeiro ligado anos atrás aos movimentos da Teologia da Libertação como a Pastoral Operária, e a segunda, promessa de modernização do Partido dos Trabalhadores.

As forças autoritárias, retrógradas, conservadoras e portadoras da ideia de que o índio tinha que ser “emancipado” da sua terra e assimilado pela sociedade produtivista de ontem é reproduzida pelas forças políticas de hoje que se afirmam progressistas. “A história parece estar se repetindo, o que está em questão tanto na época da ditadura quanto hoje é a concepção de desenvolvimento (...) Hidrelétricas, mineradoras, agronegócio, desenvolvimentismo, neodesenvolvimentismo versusdireitos dos povos indígenas: qual a diferença entre a política indigenista do atual governo e aquela da ditadura de 1964”? pergunta Ivo Lesbaupin.

Diz ele: “Foi o governo Lula que ressuscitou um projeto do tempo da ditadura, a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. “Este projeto, diz o sociólogo, iniciado em 1975, foi interrompido em 1989, em razão da resistência dos povos indígenas. O Banco Mundial, que financiaria a construção, desistiu da obra. Somente se voltou a ouvir falar neste projeto quase vinte anos depois, no primeiro mandato do governo Lula”.

Segundo Lesbaupin, o projeto foi remodelado e empurrado goela abaixo daqueles que resistiram a ele, mesmo depois da promessa de que isso não aconteceria. Ivo Lesbaupin lembra que “houve inúmeras tentativas de povos indígenas, de movimentos sociais, de setores da Igreja católica, inclusive do bispo local, D. Erwin Kräutler, de demover o governo deste projeto”. De nada adiantou. O mesmo modus operandi retorna agora com o projeto do complexo hidrelétrico no Tapajós.

Repete-se o desrespeito aos direitos dos povos indígenas. O governo na sua obsessão crescimentista, para usar um conceito surgido nos debates da 5ª Semana Social Brasileira, enquadra o Ibama, a Funai, e não ouve as graves denúncias do Ministério Público Federal. Ainda mais, “rasga” reiteradamente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que determina a consulta prévia às populações tradicionais afetadas por empreendimentos em seus territórios.

Os indígenas impactados de maneira definitiva pelos projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia nunca foram consultados previamente, da forma definida pela Constituição brasileira e pelaConvenção 169. Por esse motivo, o governo brasileiro responde a três processos judiciais, movidos pelo Ministério Público Federal no Pará e no Mato Grosso.

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