sexta-feira, 17 de maio de 2013

PAUL WILLIAMS - DO BUDISMO AO CATOLICISMO

PAUL WILLIAMS - DO BUDISMO AO CATOLICISMO

Entrevista com o professor Paul Williams, professor de Filosofia Indiana e Tibetana na Universidade de Bristol, Inglaterra; diretor do Centro de Estudos Budistas, muitos anos fora diretor da Associação Britânica dos Estudos Budistas. Ele é autor de muitos livros, entre eles: Mahayana Buddhism: The Doctrinal Founda-tions; Buddhist Thought. A Complete Introduction to the Indian Tradition; também o livro, The Unexpected Way: On Convertingfrom Buddhism to Catholicism, sobre sua conversão do Budismo ao Catolicismo.

Entrevistador: Você foi criado como anglicano; mas como jovem se enamorou do budismo e se tornou um dos estudiosos mais cultos do mundo sobre budismo, além de professor de filosofia indiana e tibetana, na Universidade de Bristol. O que o atraiu para ? budismo?
ATRAÍDO PARA O BUDISMO

Williams: O que me atraiu ao budismo é que é uma religião completa, mas sem alguns "privilégios" do cristianismo. Por exemplo, os budistas não creditam em Deus, e isso de certa maneira resolve muitos problemas, como os relacionados a Deus e ao Mal. Deve-se ter em mente que não é verdade que aquele que recusa a religião teística (crença num Deus providente) como o cristianismo, automaticamente se torna materialista, sem religião. É possível ter uma religião que não acredita em Deus; é possível seguir uma estrada de moral e meditação profunda, sem crença em Deus.

Entrevistador: Nos últimos dos anos noventa você se converteu ao cristianismo. Quais os aspectos do budismo que não lhe satisfaziam?

Williams: De maneira especial a reencarnação; quanto mais refletia sobre a reencarnação, mais me convencia de que, se isso fosse verídico, então a reencarnarão seria efetivamente o fim de todos nós. Se eu tivesse que morrer hoje e me reencarnar como uma barata na América do Sul, o que seria possível segundo os princípios budistas, certamente que a barata na América do Sul não seria eu; não seria o professor Williams de Bristol. Certeza que não haveria nada de comum entre nós dois. Assim, pensando bem, a morte seria o fim para nós e para nossos entes queridos. Também, se tivesse que me reencarnar como homem parecido comigo, do mesmo jeito, não seria eu. Os budistas não enxergam isso; assim, aos poucos, vim a compreender que não há como confiar na reencarnação, e isso me levou a pensar que os cristãos têm esperança na vida futura.
APROFUNDOU O CRISTIANISMO

Se o cristianismo fosse verdadeiro, então a história de cada pessoa não teria fim. O cristianismo oferece incríveis relações com Deus. Por isso outra coisa que eu me perguntava a mim mesmo: "Eu tenho certeza de que o cristianismo é falso?" Eu tinha muitos amigos cristãos altamente inteligentes, assim reconheci que se pode ser bem inteligente e culto e ser cristão, e ainda me lembrei do fato de que jamais tinha investigado a fundo o cristianismo. Voltei a estudar sobre a existência de Deus, e o problema de Deus e do Mal, para saber se podia chegar a crer em Deus. Cheguei à conclusão de que crer em Deus é uma atitude racional e que merece ser defendida, mesmo com a recusa budista, e hoje sou mais convicto ainda.

Entrevistador: Você é bastante crítico do conceito budista da personalidade. Por quê?
Williams: A explicação budista da reencarnação e sua relação com a pessoa é bastante complicada. Cada um de nós é como um rio, sempre mudando, uma série feita de material físico, de sensações e pensamentos. A esse conjunto em constante mutação nós simplesmente aplicamos o nome de "Paul Williams", isto é, o nome com o qual somos conhecidos. Com a morte, a parte física desaparece, mas a vida continua. Assim tecnicamente os budistas afirmam que aquilo que renasce não é o mesmo e nem diferente daquilo que morreu. A visão geral budista sempre afirmava que apesar de tudo, o que se reencarnou é uma pessoa diferente daquela que tinha morrido, e como podemos afirmar da barata, torna-se evidente por aquilo que ela agora é.
A DOUTRINA BUDISTA DA REENCARNAÇÃO

Assim a pessoa que eu hoje sou, com tudo aquilo que me é necessário ter para hoje ser o que sou, com tudo aquilo que me é essencial como pessoa (vivente) atual, desaparece totalmente quando eu morrer e volto a reencarnar. O mesmo é verdade com todos nós e com as pessoas por nós conhecidas e amadas. De fato, para o budismo, a pessoa individual não tem valor além de uma conver-são prática só para a vida presente, sem nenhum valor intrínseco. Os budistas insistem que não há início para a série de reencarnações. Assim ficamos apenas com séries infinitas de pessoas que fazem o fluxo das reencarnações. Parece-me que cada pessoa individual, na "minha" série (de reencarnações), conforme essa consideração, é insignificante também de maneira infinita.

Entrevistador: A idéia geral que o povo tem acerca da reencarnação é que, se eu me comportar mal, como castigo, posso me reencarnar como uma barata, mas se eu me comportar bem posso reencarnar como o rei da Inglaterra.

Williams: Isso pode servir como descrição geral da doutrina moral da reencarnação, porém, deve-se lembrar que, em última análise, o budista não gostaria de se reencarnar. Cada novo nascimento, também se fosse do rei da Inglaterra, traz consigo o sofrimento. Do ponto de vista do budismo, toda a vida espiritualmente nas trevas é sofredora. Portanto, finalmente, o que devemos almejar é de não renascermos de novo, mas de sustar por completo a série inteira de novos nascimentos. Somente assim conseguiremos sustar os sofrimentos. Essa libertação do ciclo sem fim de nascimentos seguidos é a vida iluminada, mas o Buda nunca descreveu em detalhes esse estado de coisas. O importante é que esse estado almeja a total libertação do sofrimento. Todo esse cenário parece-me ser realmente miserável e horrível; porém do ponto de vista budista é a verdade.
POR QUE SE CONVERTEU PARA O CATOLICISMO ROMANO?

Entrevistador: Sua conversão não era uma conversão ao cristianismo, mas ao catolicismo romano. Qual foi o momento ou a pessoa ou a idéia que o levou para o catolicismo?

Williams: O primeiro passo desse processo foi quando comecei a crer na existência de Deus. O segundo quando cheguei ao cristianismo, porque apenas crer em Deus não necessariamente o leva a se tornar cristão. Pode-se tornar muçulmano ou de fé judaica. Agora, o que me levou especificamente ao cristianismo foi quando percebi que a Ressurreição de Cristo tinha se realizado lite-ralmente. Quanto mais olharmos para o evento da Páscoa, mais perceberemos que era um evento racional, merecedor de ser crido: a explosão maravilhosa do sagrado no mundo. O questionamento subseqüente: "Que tipo de cristianismo?" No meu livro The unexpected Way (O Caminho Insuspeito) eu dou a sugestão de que o catolicismo seja uma posição "By default" do cristianismo. Em outras palavras, se alguém é cristão, deve ter uma razão muito boa para não ser católico. Agora, o argumento contra o catolicismo inclui assuntos como a autoridade, para não lhe ser imposto o que você tem que crer o primado do Papa, a contracepção, o aborto, a confissão etc. No livro eu abordei cada uma dessas objeções; mas, honestamente, achei que a posição do Magistério é a verdadeira e a mais racional.

Acima de tudo, afirmo que ainda que tivesse havido algum engano no Magistério, tal não me convenceria de não me tornar católico, a tal ponto que eu sugeriria que o Espírito Santo estava em alguma outra instância do ensi¬no cristão. Destarte, eu precisava encontrar argumentos contra o catolicismo, porém não consegui encontrar nenhum.
QUEM SERIAM OS BUDISTAS CRISTÃOS?

Entrevistador: Você disse: "Eu julgo fortemente que muitos budistas do Ocidente, no fundo de seu coração, ainda são cristãos". O que entende com isso?

Williams: G.K. Chesterton certa vez afirmou que aqueles que eram cristãos e em seguida adotaram religiões não-cristãs não conseguem adotá-las realmente, mas eles (de fato) adotam um cristianismo despido daqueles elementos de que não gostam. Assim, por exemplo, muitos budistas do Ocidente não adotaram verdadeiramente o budismo como ele é entendido e praticado por comunidades tradicionalmente budistas, mas adotaram um cristianismo sem Deus, sem aqueles elementos que lhes causavam dificuldades em reter.

Entrevistador: Em seu livro lhe Unexpected Way você descreve sua conversão ao catolicismo. Você afirma a importância da ortodoxia doutrinal católica. Você suspeita que a ênfase exagerada sobre o dogma possa tolher a atividade intelectual na Igreja?

Williams: Tudo o que é demais, em alguma coisa, faz mal. A pergunta fica: quando é que em matéria de dogmas chega-se ao demais? Há, de certo, maneiras de enfatizar os dogmas a ponto de sufocar a atividade intelectual; porém, isso estaria acontecendo hoje? Pessoalmente eu acho que deve haver mais insistência sobre os dogmas, porque hoje as pessoas não têm clareza quanto ao ensino da Igreja.

Gostaria de ver maiores esforços para ser mais claramente exposto o que a Igreja ensina, e porque aquilo que ela ensina é assim mesmo, e o porquê da sua beleza e racionalidade. Afinal de contas, se houvesse coisas necessárias para minha salvação que desconheço, eu gostaria que a Igreja me contasse quais são, para ter certeza de que as entendi bem.
A RACIONALIDADE DO CATOLICISMO

Durante uns dois mil anos, a Igreja nos deu diretrizes claras acerca daquilo que pode ser investigado com espírito crítico e o que não pode. Uma das coisas que me atraiu para o catolicismo foi a sua racionalidade. A Igreja não nos pede para sufocar nossas faculdades críticas, mas para usá-las bem. A Igreja nos dá diretrizes claras acerca de como usá-las e quais são os limites que não podemos ultrapassar; porque há certas verdades que não conseguiríamos conhecer , sem o auxílio da Revelação, isto é, do Magistério.

Entrevistador: Você acha que há uma grande ignorância religiosa no meio do povo em geral?

Williams: Absolutamente, sim. A ignorância está espalhada fora da Igreja, mas, infelizmente, também dentro da própria Igreja. Agora, nós precisamos compreender que a Igreja olha para o mundo de uma maneira totalmente diferente da que faz o mundo secular, e, portanto sua visão não pode coincidir com essa mentalidade secular. Visto que as pessoas fora da Igreja não conseguem entender a mentalidade da Igreja, elas não conseguem entender por que a Igreja afirma o que ela ensina. E por isso vemos que a mídia julga, o tempo inteiro, a Igreja, com parâmetros seculares. É algo que constrange o coração; mas é assim mesmo. Além disso, é mais constrangedor e inquietante quando essa falta de conhecimento se encontra entre as pessoas que são membros da Igreja. Tudo isso indica que a Igreja precisa educar seus fiéis para descobrirem a lógica atrás do ensino do Magistério, e que nós não podemos não estar radicalmente diferentes da mentalidade secularista em certas áreas.
PARA MIM, DEUS É O CRIADOR

Entrevistador: O budismo é religião sem Deus. Agora como você considera Deus? Você cultiva um relacionamento pessoal com Ele?

Williams: Para mim Deus é, antes de tudo, o Criador. Assim, minha relação com Ele é de profunda gratidão por ter-me criado, por ter-me dado o privilégio de ficar católico, e por todos os demais bens. A gratidão precisa se tornar parte de nossa própria existência. A Deus em si não conseguimos conhecer com nossos próprios esforços, além do fato de ser Ele nosso criador e tudo o mais que essa verdade implica. Felizmente, da Revelação podemos aprender muitas outras coisas, por exemplo, sua natureza Trinitária. Porém nosso problema da relação pessoal com Deus podemos resolver com medi-das cristológicas, isto é, pelo nosso conhecimento de Jesus Cristo como Ele foi revelado na Sagrada Escritura e pela Igreja; Cristo é realmente Deus, mas para nós desconhecido, e que agora nos foi revelado. Realmente é admirável que, pela graça divina, agora você pode relacionar-se com Ele, como com uma pessoa querida e visível.

Gostaria de acrescentar que quanto mais me esforcei por aumentar meu relacionamento com Cristo, tanto mais cheguei a apreciar a Sua mãe (e nossa Mãe), a Virgem Maria. Por causa de minhas origens anglicanas, a devoção mariana era algo que eu precisava aprender. E essa lição tornou-se muito importante para mim.
COMO FALAR OU ESCREVER SOBRE DEUS?

Entrevistador: É difícil na sociedade atual falar ou escrever sobre Deus?

Williams: Pessoalmente, eu não acho assim. O problema consiste mais em que muitos falam e escrevem acerca de Deus, mas sem terem nenhum conhecimento real daquele que se Lhe refere, e assim demonstram que não O conhecem bem.

Pode ser que alguns tenham receio de professar publicamente sua fé em Cristo, por temerem certas conseqüências em suas carreiras. Agora, isso é lastimável, porque devemos estar prontos para nos manifestar e pagar qualquer preço por aquilo em que acreditamos. Desde o tempo do Iluminismo a humanidade encontrou um jeito para pensar em Deus, colocando-O na categoria das nossas experiências privadas, daquilo que sentimos em nosso íntimo. Assim seguramos Deus só para nós - como fazem com o sexo. Há outro tipo de fundamentalistas, os quais, talvez, falam demais de Deus. Às vezes, isso também é prejudicial à fé cristã.

Entrevistador: Como julga que a Igreja deve tratar os novos movimentos religiosos e outros cultos, especialmente aqueles de inspiração oriental?

Williams: Isso é um assunto importante. De um lado é uma questão de como educar e formar o povo acerca daquilo que é ensinado pelos movimentos da New Age (Nova Era) e das religiões asiáticas, e porque tal ensino não pode combinar com os ensinamentos da fé cristã. No passado algumas pessoas, com reta intenção, tentaram encontrar um caminho comum com tais movimentos novos, e assim chegaram a diminuir ou, às vezes, a confundir as diferenças (doutrinais) entre tais movimentos e o cristianismo.

A Igreja precisa apresentar, de maneira mais eficiente, a beleza e a racionalidade da fé católica. Ela precisa ajudar as pessoas, mostrando que aquilo que estão tentando encontrar em outras religiões, pode efetivamente ser encontrado na fé católica, em sua plenitude.

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