Peço
perdão a Deus...
Estava em praça pública na noite em que os deputados federais se
pronunciaram sobre o impeachment. Acreditava, e ainda acredito, que a rua é o
único espaço que nos sobra para reafirmar a soberania popular e continuar
acreditando na democracia.
Lado a lado, tantas pessoas que não se conheciam, mas sentiam a mesma
vibração e atavam seus fios numa rede de participação que talvez venha a
reanimar a militância da esquerda.
Não estava só, tinha o orgulho de acompanhar algumas pessoas de uma das
muitas comunidades atingidas pelo modelo de desenvolvimento que, de FHC a Lula
e até Dilma, sempre sugou a vida dos pobres para alimentar o lucro de poucos.
Juntos, queríamos defender pelo menos o respeito do voto popular,
sabendo que o desmonte institucional só viria a piorar a situação dos pequenos.
Como padre e religioso, sinto que isso faz parte de minha missão. Mas
durante aquela noite fiquei cada vez mais envergonhado por minha identidade.
Um número crescente de deputados defendia seu voto em favor do
impeachment em nome de deus. Um chegou a proclamar um trecho da Bíblia; outro a
mantinha levantada como uma espada para matar o dragão do mal; outro proferiu
um exorcismo e uma profecia, antes de assegurar mais uma vez que deus estava do
lado do ‘sim’.
Ao meu redor, na praça, cada vez mais pessoas se revoltavam contra esse
deus e esses arautos da verdade.
Eu sinto Deus presente no caminho dos pobres e na força de suas
reivindicações. Me reavivo quando, juntos, reconhecemos essa presença e nos
fortalecemos nela. Mas com que coragem posso falar de Deus agora que o nome
dele tem sido utilizado tantas vezes em vão por esses fanfarrões da moralidade,
nesse teatro hipócrita da luta à corrupção?
É tempo de silenciar o nome de Deus. É tempo de escrever sua Palavra nas
obras de misericórdia e justiça que libertam e humanizam os oprimidos. Deixemos
de falar de Deus: que falem as pedras, as pedras de nosso compromisso, de nosso
serviço escondido, de nossa paixão teimosa pela vida dos pequenos!
Não cabe a nós afirmar que estamos do lado de Deus. Serão os pobres a
reconhecer sua presença, e nós o encontraremos se tivermos a coerência e a
fidelidade de permanecer no meio deles.
Ontem à noite Deus chorava, impotente, porque ainda não compreendemos o
que ele espera de nós e nos pede. Estamos fazendo dele uma caricatura, e nesse
espelho também nossa identidade se desfigura e esvazia...
Pe. Dário Bossi
Missionário Comboniano
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