sábado, 17 de maio de 2008

APELO DOS BISPOS DO MARANHÃO ÀS COMUNIDADES

“Como discípulos e missionários a serviço da vida, acompanhamos os povos indígenas e originários no fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa do território... e na defesa de seus direitos. Comprometemo-nos também a criar consciência na sociedade a respeito da realidade indígena e seus valores, através dos meios de comunicação social e outros espaços de opinião. A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem...”
(DA, 530)
Caríssimos irmãos e irmãs,

O povo Guajajara está em luto e o Evangelho de Jesus nos chama a compartilhar esta dor e indignação. Maria dos Anjos, sete anos de idade, uma pequena flor da aldeia Anajá, do povo indígena Guajajara, no município de Arame, foi assassinada.
Com certeza, vocês estão recebendo somente agora esta notícia, porque a morte dos pobres não dá manchete e a grande mídia continua sendo cúmplice do processo de ocultação dos povos indígenas, iniciado com a conquista destas terras, há mais de quinhentos anos.
À nossa dor se acrescenta a preocupação com o preconceito que, infelizmente, ainda encontra abrigo no nosso meio. Com efeito, são muitos, entre nós, que se deixam conduzir por sentimentos e atitudes racistas, cujo resultado é não percepção do horror desta morte e de não sentir, no fundo do coração, esta dor.
No dia 05 de maio, pela tarde, vários tiros foram disparados por quatro pessoas na direção das casas da aldeia Anajá. Uma das balas arrancou definitivamente a beleza, a simpatia e o futuro de Maria dos Anjos.
Os sentimentos de dor, de revolta e indignação que tomaram de conta da família e dos moradores da aldeia não foram partilhados pela maioria dos vizinhos não indígenas. Para eles a morte de Maria dos Anjos é um fato comum, corriqueiro, normal. Ela é mais uma vítima de uma violência que ninguém estranha mais, principalmente se ela ceifa a vida de um índio da região.

“Escolher, pois a vida”, como nos convida a Campanha da Fraternidade deste ano, não é para nós cristãos algo natural e comum. Escolher a vida exige, em primeiro lugar, que aceitemos nos educar a assumir atitudes de verdadeiro amor à vida, nossa e alheia. Exige que tenhamos a coragem de vencer a indiferença que nos paralisa. Que tenhamos a vontade firme de resgatar dentro de nós o mesmo sentimento de indignação que movia Jesus ao ver irmãos ou irmãs que “pareciam como ovelhas sem pastor” e, por isso mesmo, desamparadas, ameaçadas e trucidadas.
Os seguidores de Jesus de Nazaré são aqueles que além de se comoverem pela morte trágica de tantas Marias dos Anjos Guajajara se sentem questionados e interpelados em sua capacidade de defender e proteger vidas. Não somente as vidas dos que nos são próximos, os parentes e familiares, mas a vida de todos “os samaritanos”, dos estrangeiros, dos que têm história e cultura diferentes, dos indígenas.
Sobretudo os indígenas. São as suas terras que continuam sendo invadidas e cobiçadas por madeireiros, pecuaristas, empresários dos monocultivos e mineradoras.

Segundo o último Relatório do CIMI O número de indígenas assassinados cresceu 64% de 2006 para 2007, passando de 56 para 92 casos registrados em uma população total de 734 mil indígenas no país. A maior parte dos casos ocorreu em Mato Grosso do Sul, onde 80 índios foram mortos nesse período: 27 em 2006 e 53 em 2007, indicando um aumento de 99% nos crimes de um ano para outro. Em 2007, o Estado onde foi registrado o segundo maior número de assassinatos foi o Maranhão. Foram dez os indígenas assassinados e, entre eles, não podemos esquecer o crime bárbaro de um grupo de madeireiros, que, em outubro de 2007, matou Tomé Guajajara e feriu outros dois indígenas. E a violência não atinge somente os Guajajara: a presença constante dos madeireiros ameaça também um grupo de pelo menos 60 pessoas do povo nômade Awá Guajá que vive nesta terra, sem contato com a sociedade envolvente. Além dos assassinatos, o relatório documenta a invasão de terras indígenas, o trabalho escravo, as omissões dos Governos nas áreas da saúde e educação indígenas, e, em fim, aponta a questão fundiária e a expansão do agronegócio como os principais fatores responsáveis pelo aumento da violência entre e contra os índios.

Diante disto, fazemos nossas as palavras proféticas de Dom Erwin, Bispo do Xingu e Presidente do CIMI: “Parem com isso! Chega! Não há meio termo! Já estamos no limite! Não se pode mais dar concessões!".
Diante disto, lembremos a Palavra de Paulo: “Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo são vocês.”(1 Cor, 3,16-17).

Assim, os que optam em favor da vida, sabem se colocar de forma clara e intransigente a serviço do Templo de Deus – a humanidade e a Criação – e se opor a um sistema que ameaça a vida em nome do dinheiro e não quer desarmar os profissionais das matanças de ontem e de hoje, pois ele faz da violência e das armas sua fonte de poder e de lucro; e do preconceito e da intolerância, o seu jeito de ser.

Maria dos Anjos Guajajara, como o seu nome indica, pertence, agora, ao reino dos anjos, àqueles seres que segundo a nossa crença, nos protegem e nos guardam em cada circunstância. Ela será mais um anjinho a cumprir essa missão. Ela, entretanto, pedirá que tenhamos a coragem de sermos desde já proteção e amparo de tantas outras Marias dos Anjos Guajajara cujas vidas continuam sendo desprezadas e ameaçadas.
A pequena e inocente Maria dos Anjos faz parte dos eleitos que chegaram da grande tribulação. Eles lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro.” (Ap 7,14b).
Enviamos nossas saudações, convidando as comunidades a se unirem em oração e confirmar a sua fidelidade ao Deus dos pobres e aos pobres da terra.


Um abraço fraterno.

Dom Xavier Gilles, Bispo de Viana e Presidente da CNBB NE V
Dom José Belisário da Silva , Arcebispo de São Luís e Secretário da CNBB NE V

São Luís do Maranhão, 18 de maio de 2008, Domingo da Santíssima Trindade

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