Fonte da notícia: Por Elaine Tavares
A nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é
representante máxima do agronegócio no Brasil, em entrevista ao jornal Folha de
São Paulo disse, reportando-se a uma pergunta sobre os conflitos fundiários com
os indígenas brasileiros, que isso só tem acontecido porque os "índios
saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção".
Essa frase singela mostra o quanto a fazendeira
desconhece a história do país da qual hoje está ministra. Para Kátia, lugar de
índio parece ser apenas a profundeza da floresta amazônica, reforçando assim o
estereótipo do "selvagem" que, ou se integra no mundo branco como
base da pirâmide, ou que fique "no seu lugar", que é, obviamente, o
recôndito da selva. Nada poderia ser mais patético, embora outra coisa não se
pudesse esperar de alguém que certamente apenas conhece as fronteiras do seu
latifúndio e o dos seus iguais.
Os indígenas brasileiros não são exclusividade da
floresta amazônica, embora aquela região abrigue a maior parte das etnias. Eles
estão em todos os estados do país, em regiões que em nada pode lembrar a
"floresta". Ocupam áreas - muitas delas ainda não demarcadas - que
muito mais parecem prisões insalubres do que território digno de vida. Raros
são os grupos que já conseguiram demarcar territórios capazes de conter toda
sua cosmovisão e de garantir o livre acesso a sua cultura. Outros tantos
aguardam nas margens das rodovias, morrendo como moscas, que o governo demarque
as terras que lhes são de direito.
Os indígenas brasileiros ocupam a imensidão do que
hoje é o Brasil muito antes que os mais remotos ascendentes de Kátia Abreu
tivessem aberto seus olhos para o mundo e, quando aqui chegaram os invasores
portugueses roubando-lhes as terras, eles circulavam livremente pelo território
que, então, tinha as fronteiras étnicas muito bem demarcadas. Logo, não são
eles que estão "descendo para as áreas de produção", como entende a
ministra, com sua mente de colonizadora do século XVI. É o contrário. São os
grandes e médios fazendeiros que estão cada dia mais invadindo as terras
indígenas, com o discurso de "garantir o aumento da produção
agrícola". Um discurso furado também, porque os grandes latifúndios não
produzem comida. Produzem grãos para alimentar gado nos Estados Unidos, ou cana
para girar a indústria do biocombustível.
Também é importante dizer que ao longo de cinco
séculos, enquanto os invasores assentavam suas bases, esses povos vêm lutando
para garantir sua existência. Muitas etnias foram dizimadas mas ainda restam
outras tantas que, atualmente, vivem um crescendo, retomando seu território e
reavivando sua cultura. Para os fazendeiros que Kátia Abreu representa, essas
população são, de fato, um atrapalho, e nem mesmo seu grito mais doloroso -
como foi o caso dos Guarani Kaiwá, do Mato Grosso do Sul - encontra eco em suas
mentes. Essa comunidade chegou a decidir imolar-se em uma luta sem quartel por
suas terras e ainda assim segue sem a definição de seu território. No entender
dos grandes proprietários de terra da região, bem melhor que morram, para que o
estado fique livre do "obstáculo".
O que choca não é a opinião de uma mulher que,
todos sabem, representa o latifúndio. Seria estranho se ela não pensasse assim.
O que realmente nos atinge, de maneira cabal, é o fato de que esse
pensamento expressado por ela encontra morada no coração e nas mentes de um
número gigantesco de brasileiros, tomados pelo preconceito e pelas ideias
racistas. Índio bom é o que fica na floresta, o que aguenta sua desdita em
silêncio, o que não incomoda. Já aqueles que clamam por justiça, que enfrentam
o latifúndio, que exigem do governo o seu território, esses são vagabundos,
bêbados, terroristas, ou seja lá
mais o que for de ruim e perverso. A ministra não está sozinha no seu discurso
egocêntrico e racista. Isso é o que choca.
Tanto a mídia comercial, como os livros de história
e as conversas em família - os longos braços da ideologia colonialista e
racista - aprofundam todos os dias esse sentimento de rechaço pela luta
indígena. Fazem parecer que toda a cosmovisão originária, de cuidado com o
ambiente, de relações equilibradas com a natureza, de colaboração e equidade,
seja uma coisa atrasada, anti-progressista, ligada a um remoto passado que
nunca mais vai voltar. Exigem que os indígenas se "integrem" na
civilização branca, mas, quando eles o fazem, são discriminados. Bem como se
desejam ficar nos seus territórios originais, são tachados de anti-históricos.
Exigem dos índios a sua desaparição, não querem se ver matizados com o que consideram
uma "raça inferior".
O bom é que o atual movimento indígena brasileiro
está cada dia mais forte. Tem lideranças jovens, aguerridas e persistentes. Uma
gente que não se rende aos estereótipos e não faz concessões. Essas comunidades
que o "mundo da produção" está invadindo, estão de pé e lutam.
Saberão responder à altura toda a ignorância que insiste em se disseminar em
declarações como essa, vindas da boca de uma ministra de estado. Os índios não
estão descendo para as áreas de produção. Estão subindo as rampas dos palácios,
entrando nas terras que lhes pertencem, exigindo seus direitos. E, a despeito
de todos os que insistem em lhes esconder nas "florestas", eles
assomam, coloridos, alegres e guerreiros, na direção da terra sem males.
Eko porã!
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